Caminhando contra o vento, num sol de quase Dezembro

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Pop Dealer de 25 de Novembro de 2008

Escrevo enquanto escuto o seu último trabalho, To be still, editado pela Rough Trade cuja influência nos territórios indie assegura nos dias de hoje a merecida atenção que as composições de Alela há muito reivindicavam. Ainda enquanto figurante nas fileiras da Grassroots , ao lado de nomes como Mariee Sioux ou Alina Estelle Hardin, parecia gradualmente ultrapassar as estanques fronteiras daquela pequena label de folk e bluegrass. Com o seu primeiro longa duração, The pirate's gospel, deu o sempre determinante primeiro passo ao romper com a indiferença da imprensa, recolhendo um crescente número de seguidores que se deixaram levar pela sua voz, portadora de uma rara identidade. Na sequência da sua promoção, Alela actuou por várias vezes em França, tendo ainda percorrido dezenas de estados norte americanos ao longo de vários meses, parecendo hoje cada vez mais longínquos os posts no seu myspace nos quais solicitava quartos onde pudesse pernoitar. Foi ainda ao longo dessa múltipla sucessão de datas que Diane começou a experimentar em palco algumas das suas composições que figurariam neste To be still. Num registo ainda depurado, próprio do seu trabalho anterior, podemos escutar alguns desses avanços na sua Daytrotter session ou na sua passagem pelas ruas de Paris sob o foco da câmera de Vincent Moon, na já reconhecida La Blogothèque. O resultado dessa lenta evolução pode ser descrito como mais composto, menos naif e claramente mais ousado; curiosamente um caminho semelhante áquele percorrido por outra singer songwriter emergente na indie folk norte americana: Dana Falconberry. Ambas partiram de álbuns de uma autenticidade a toda a prova, na forma como dependiam apenas da voz, de uns quantos acordes e das palavras; porém, chegados a 2009, deparamo-nos com verdadeiros álbuns de estúdio, com cuidados arranjos e uma produção polida (veja-se à distância a interpretação de faixas como To be still e My brambles em 2007). Mas talvez aquilo que é mais surpreendente em Alela Diane nem seja esta evolução, mas sim um projecto intitulado Headless Heroes. Chegado aos meus headphones há algumas semanas atrás, foi difícil não escutar as suas dez faixas por repetidas vezes. Passível de ser obscurecido por To be still trata-se de uma proposta do produtor nova-iorquino Eddie Bezalel que, ao escutar a voz de Alela através no seu myspace, convidou-a a interpretar alguns clássicos de nomes tão ilustres como Nick Cave, The Jesus & Mary Chain, Vashti Bunyan ou Linda Perhacs. Se dúvidas havia de que a voz de Diane se reveste de uma rara beleza, todas elas serão certamente dissipadas ao longo das referidas dez faixas, ao adquirir contornos etéreos, entrelaçando-se em riffs de guitarra ou incorporando letras algo distantes daquelas a que associamos a sua voz, revelando-nos deste modo uma dimensão que permanecia escondida: a de vocalista. Por vezes julgamos mesmo escutar Victoria Legrand dos Beach House, Emily Haines ou mesmo Amy Millan. No entanto trata-se de Alela Diane, capaz de emergir da folk do Midwest e se adaptar aos formatos mais díspares ou convencionais.

podcast

01. The Ruby Suns played Kenya dig it! from Daytrotter sessions (2008) Daytrotter.com
02. Daniel Ledwell s
ang Daisy, you are a liar from Two over seven EP (2008) Dead Daisy

03. Dana Falconberry sang Birthday song from Oh skies of grey (2008) Time Records

04. Headless Heroes played Blues play the game
from The silence of love (2008) Names Records
05.
Headless Heroes played True love will find you in the end from The silence of love (2008) Names Records

06. Juana Molina & Alejandro Franov played Amigo from AuB = Estereo (2003) S/r
07. Departement of Eagles played Around the bay from In Ear Park (2008) 4AD
08. Euros Childs sang Farm ant murder from Cheer gone (2008) Wichita
09. Jose Gonzalez sang Heartbeats from Live at Park Avenue EP (2008) Mute
10. Vincent Delerm sang La vie est la même from
Quinze chansons (2008) Tôt ou Tard

Os primeiros erráticos passos...

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Não são muitos os autores norte-americanos que percorrem o território sonoro francófono. Ao contrário dos seus pares britânicos, o legado de Gainsbourg e da chanson française permanece arredado e distante no horizonte do Atlântico Norte. Jarvis Cocker confessou há muito o seu fervor pela obra do referido compositor. Scott Walker e Neil Hannon cruzaram por várias vezes os seus caminhos com o de Jacques Brel. Damon Albarn celebrou de uma forma particularmente elegante a nouvelle vague, aquando da gravação da faixa To the end, em 1994, ao partilhar as vocalizações da mesma com Françoise Hardy. A distância de que falo não embate pois na barreira linguística; perde-se talvez na clausura cultural, própria da imensidão de um território que encerra uma multitude de sonoridades. No entanto, existem excepções, e uma delas intitula-se White Hinterland , projecto que esconde uma exímia letrista chamada Casey Dienel, autora de pequenas crónicas urbanas, nas quais as personagens surgem-nos frenéticas e autênticas, um pouco perdidas no turbilhão dos dias ou meramente afastadas da crua realidade. Oriunda de Boston, em 2006 Casey editou o seu primeiro trabalho homónimo: uma colecção de pequenas peças erráticas e por vezes jazzisticas, cuja interpretação se decompunha em voz e piano. Mais tarde, a mutação em White Hinterland, sinónimo de maturidade e de um maior cuidado nas suas composições. Com este projecto surgiram os arranjos de cordas, uma escrita menos centrada em estudos de personagem, encerrando uma maior dimensão poética, e acima de tudo, o fim da solidão em palco e no estúdio. Em 2008, Casey decidiu expandir as fronteiras deste projecto, tendo editado em Outubro o EP Luniculaire, tributo ao imaginário francófono e a algumas vozes que o traçaram. Nele encontramos reinterpretações de Requiem pour un con de Gainsbourg, Mon ami la rose de Hardy e J'ai 26 ans de Brigitte Fontaine, às quais se juntam dois originais de Dienel, também escritos em francês e evocativos daquele legado. A sua editora (Dead Oceans) compara-a a Elizabeth Fraser . As suas composições há muito que deveriam dispensar apresentações.

podcast

01. Jens Lekman sang REC (at Salthomen) from At the dept. of forgotten songs (2005) Secretly Canadian
02. White Hinterland s
ang I miss you from Stereogum presents: Post (2008) Stereogum.com

03. Stars played A thread cut and a carved knife from Sad robots EP (2008)Arts & Crafts
04. Dana Falconberry sang Blue umbrella from Oh skies of grey (2008) Time Records
05. Beatbeat Whisper played And suddenly apart was shared from Wonder continental (2008) S/r

06. Arms played Construction from Kids aflame (2008) Melodic Records

07. Arms played Sad sad sad from Kids aflame (2008) Melodic Records

08. Dept. of Eagles played Floating on Lehigh from In Ear Park (2008) 4AD
09. Headless Heroes played Just like honey from The silence of love (2008) Names Records

Introdução e coragem...

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Pop Dealer de 21 de Outubro de 2008

Há cerca de um mês chegou à minha caixa de correio um álbum intitulado Oh skies of grey. Na capa, uma menina recortada de cabelos negros segura um pássaro de papel. No seu interior, um bilhete denuncia o entusiasmo por um primeiro trabalho há muito aguardado. Desde há três anos que Dana Falconberry reside na cidade texana de Austin, um dos pontos de maior efervescência no roteiro indie norte-americano, pelo que não é de estranhar que cedo tivesse dividido o seu tempo entre os estudos e a composição, actuando em pequenas salas e captando a atenção dos mais atentos. Um deles, de nome Red Hunter, fundador do projecto Peter & The Wolf , interessou-se pelas vocalizações depuradas de Dana, que a partir de 2006 passou a integrar o projecto. No entanto, o seu percurso a solo há muito que se encontrava traçado, e nesse mesmo ano editou Paper sailboat, um EP que reunia seis das suas composições, todas elas portadoras de uma inegável autenticidade folk, que se traduzia num registo de storyteller evocativo de um passado distante (a própria capa do EP deriva de uma fotografia do início do século passado, encontrada num baú, pertença dos avós de Dana). Esta marca encontramo-la ainda em Oh skies of grey, ancorando o álbum ao território folk, mesmo se a produção e os arranjos do mesmo surgem cuidados, mesmo quando a presença de guitarra, piano e bateria enriquecem as composições de Dana, adornando a sua voz, esta sim, ainda presa a um passado distante, girando no prato de um vinyl poeirento ou ecoando pelo velho soalho de um quarto de hotel. De salientar ainda a presença de duas outras vozes femininas, também elas oriundas de Austin: Gina Dvorak e Erika Maasen . Há muito companheiras de estrada, partilhando o mesmo palco e o estúdio, libertam Dana Falconberry do despojamento e da solidão que eram evidentes nas suas primeiras composições. Ao invés, este primeiro longa duração é revelador de uma maior confiança na forma como consegue alongar as suas fronteiras, ainda que nunca perdendo a folk de vista, permitindo-se no entanto a uma fuga por caminhos indecifráveis na faixa Fluorescent, construida sobre riffs de guitarra e uma forte e cadenciada bateria, deixando a adivinhar, quem sabe, o próximo passo.

podcast

01. Juana Molina sang Los hongos de Marosa from Un dia (2008) Domino Records
02. Headless Heroes sang To you from The silence of love (2008) Names Records
03. Mariee Sioux sang Wizard furry home from Faces in the rocks (2006) Grassroots
04. Holly Throsby sang The time it takes from A loud call (2008) Spunk Records
05. Lesser Gonzalez Alvarez sang The owl and the pussycat from Why is bear billowing (2008) Carpark

06. Dana Falconberry sang Clementine from Oh skies of grey (2008) Time Records

07. Dana Falconberry sang Someday from Oh skies of grey (2008) Time Records

08. Mary Hampton sang Concerning a frozen sparrow from My mother's children (2008) Navigator Records
09. Arms sang Kids aflame from Kids aflame (2008) Melodic Records