Chamemos-lhe scandi world

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Pop Dealer de 25 de Agosto de 2009

Na sequência da sua saída do projecto escandinavo The Concretes, Victoria Bergsman afastou-se momentaneamente dos estúdios de gravação, procurando o anonimato no nosso país. Aqui, trilhou os primeiros caminhos de Open field, o álbum de originais que veio a gravar algumas semanas mais tarde, regressada a Gotemburgo. Contudo, de Portugal levou também a sua futura assinatura, Taken by Trees, o nome do seu projecto a solo que denuncia o encanto da compositora escandinava por uma árvore em particular, sobre a qual compôs a última faixa do álbum: Cedar trees. Mas se conceptualmente Open field apontava para o Atlântico Sul, já a atmosfera do mesmo de imediato nos recordava o imaginário de uma outra menina de franja, a escocesa Tracyanne Campbell e os seus Camera Obscura. Se as semelhantes vocalizações de ambas seriam suficiente motivo para tal analogia, maior pertinência ganhou esta comparação a partir do momento em que Tracyanne passou a colaborar nas gravações do álbum, assinando mesmo uma das suas faixas. O resultado foi um álbum de composições naives e delicadas, pautadas pela interpretação distante e etérea de Victoria, passeando-se melancólica sob uma produção cuidada e meticulosamente simples. Apenas a imprensa não parece terpercorrido Open field, tão poucas as menções à edição do mesmo; facto para o qual contribuiu a conhecida e já confessada timidez de Victoria Bergsman, quase sempre avessa a concertos ou mesmo entrevistas, sentindo-se intimidada pelo facto de os focos se virarem agora apenas para ela.

Cerca de três anos passaram, e ainda é a mesma Victoria Bergsman que encontramos em East of Eden: doce e tímida. Porém, a ruptura com o passado recente não poderia ser maior, pela sua geografia ou atmosfera. Gravado no longínquo Paquistão, o segundo álbum de Taken by Trees partiu de um pressuposto que não se cumpriu: o de uma colaboração com vozes femininas daquelas paragens. A própria Victoria explicou mais tarde que encontrou inultrapassáveis obstáculos, logísticos, culturais e religiosos, para a consecução de tal desejo. Face a esta adversidade logo à chegada, o passo expectável seria o de um regresso à Escandinávia; contudo, Victoria decidiu levar o seu projecto adiante, cedendo nos seus fundamentos e procurando uma constante partilha com músicos locais, da qual resultaram sessões e improvisos em salas de estar e pequenos pátios, apressadamente gravados para um simples Macbook, por vezes apenas num take, capturando desta forma a espontaneidade daqueles instrumentistas que nunca entraram (ou entrarão) num estúdio de gravação. Todo esse material recolhido ao longo de várias semanas foi então decomposto em inúmeras composições, ou pelo menos em pequenos rascunhos, seguindo-se então o regresso a Gotemburgo para a produção do mesmo. Ao longo de todas as faixas de East of Eden podemos escutar os sons da multidão que corre nas ruas, do trânsito apressado e caótico, as buzinas das trotinetas que aceleram por entre estreiras vielas. É esta a atmosfera que percorre todo o álbum, e que apenas na distante voz de Victoria Bergsman encontra um traço ocidental. Até mesmo My boys (uma singular cover de My girls dos Animal Collective) surge-nos por momentos irreconhecível. Para onde viajará de seguida, Victoria?

podcast

01. Riceboy Sleeps played Happiness from S/t (2009) Parlophone Records
02. Blitzen Trapper played Star me kitten from Automatic for the People XV (2007) Stereogum
03. Magic Arm played Outdoor games from Make lists, do something (2009) Switchflicker
04. Adem sang Bedside table from Takes (2008) Domino

05. Taken by Trees sang My boys from East of Eden (2009) Rough Trade
06. Taken by Trees sang Anna from East of Eden (2009) Rough Trade

07. Taxi Taxi played To hide this way from Still standing at your back door (2009) Rumracket
08. Daniel Martin Moore sang Every colour and kind from Stray age (2009) Sub Pop
09. Little Joy played The next time around from S/t (2009) Rough Trade

Não há duas como ela

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Pop Dealer de 04 de Agosto de 2009

Nos últimos meses muitas foram as singer songwriters que passaram pelo meu iPod, e perante todas elas desde já me desculpo. Não é que as suas composições sejam menores ou as suas vozes não me tenham feito cativo, mas presta-se este curto texto a uma confissão de que, até ao dia 05 de Agosto, nenhuma outra me encantou de uma forma tão bela como a menina Laura Gibson e o seu Beasts of seasons. Essa mesma beleza, encontramo-la em faixas como Spirited ou Sweet deception, momentos em que nos deparamos com uma timidez que parece embalar as suas vocalizações, em que somos assaltados pela assunção de uma contida inquietude, em que as palavras são demarcadas na sua fragilidade e doçura. Beasts of seasons parte de um sentimento de solidão, encerrando dois caminhos, duas escolhas definidas pela sua autora na estrutura daquele: num "Lado A" encontramos as denominadas "Communion songs", composições que exploram as relações com a família, com terceiros, com Deus; no seu "Lado B" as "Funeral songs" são determinadas pela assunção dessa mesma solidão, pela forma como a autora lida com essa condição e a assume como inevitável. Esta conceptualização é reveladora do cuidado com que Laura Gibson teceu os fios deste seu trabalho, da enorme carga emocional que percorre cada uma das suas letras, cada uma delas portadora momentos de redenção, ou como a própria refere, de um urgente alívio. Mas se a solidão marca o trajecto deste segundo álbum de Laura Gibson, já a sua gravação contou com a colaboração de inúmeros músicos, também eles oriundos da cidade de Portland, entre outros, Nate Query (The Decemberists), Rachel Blumberg (Bright Eyes), Adam Selzer (Norfolk & Western), Danny Seim (Menomena) e a não menos ilustre Laura Veirs. Ainda assim, este é um projecto pessoal e confessional da Gibson, que por algum momento nos remete para algo mais que a sua escrita, a sua voz e as suas composições.

podcast

01. Musette played 9th November from Datum (2009) Tona Serenade
02. Tiny Vipers sang Eyes like ours from Life on Earth (2009) Sub Pop
03. Horse Feathers played Burden from House with no name (2009) Kill Rock Stars

04. Laura Gibson sang Sleeper from Beasts of seasons (2009) Hush Records
05. Laura Gibson sang Postures bent from Beasts of seasons (2009) Hush Records

06. Musette played 1st Juni from Datum (2009) Tona Serenade
07. Coralie Clément sang Share the day from Toystore (2009) Discograph
08. St. Vincent sang Save me from what i want from Actor (2009)
Rough Trade
09. Discovery played I wanna be your boyfriend from LP (2009) 4AD
10. Animal Collective played Summertime clothes from Merriweather post pavillion (2009) Domino Records

O segundo passo

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Pop Dealer de 24 de Fevereiro de 2009

O que fazer quando o reconhecimento chega célere num toque polifónico? Quando a mesma melodia é assobiada num longo e interminável corredor de um qualquer shopping e em Barcelona, junto ao solarengo palco do Primavera Sound. Poderá existir uma sobreposição entre o momento em que escutamos essa mesma melodia pela primeira vez no quarto e os sucessivos abalroamentos polifónicos que sofremos nos meses seguintes? O que se perde em todo este processo? Quando milhares escutaram pela primeira vez o single Young folks, poucos seriam aqueles que reconheceram a voz etérea de Victoria Bergsmann ou teriam naquela semana ficado agarrados ao registo em animação que embrulhava uma faixa tão doce chegada no anonimato. Hoje, após um ano e meio de concertos pela Europa, Ásia e EUA, de consecutivas inserções em playlists, anúncios publicitários e colectâneas, será ainda menor o número daqueles que deram pela edição há poucas semanas de Seaside rock, o segundo álbum do projecto Peter, Bjorn & John. Tal facto não é de estranhar, pois este trabalho parece ter como derradeiro objectivo uma clara demarcação do anterior, tendo mesmo o seu conteúdo um carácter egoístico, tal a forma como parece isolar-se no território adolescente de Peter Móren. Seaside rock representa a subversão das expectativas criadas, ao convocar o imaginário da spoken word em faixas como "Erik's fishing trip" ou a vastidão da paisagem escandinava em longas composições instrumentais. Não existe aqui a mínima pretensão de vender milhares de singles, mas apenas um desejo tremendo de filtrar tudo aquilo que nunca coube em Writer's block e mergulhar num passado muito distante.

podcast

01.
Peter, Bjorn & John played Erik's fishing trip from Seaside rock (2009) Almost Gold
02. Taken By Trees sang
The legend from Open field (2008) Eleven Music
03. Arms played Fall from Kids aflame (2008) Melodic Records
04. Dept. of Eagles played Herring bone from In Ear Park (2008) 4AD

05. Daniel Martin Moore sang Who knows where the time goes from Stray age (2008) Sub Pop

06. Daniel Martin Moore sang That'll be the plan from Stray age (2008)
Sub Pop

07. Nancy Wallace sang The way you lie from Old stories (2008) Midwich Records
08. Will Cookson sang Antique toy Antique from Songs for a Sunday (2009) Tinpot Records
09. The Ruby Suns played Masai Maara from
The ruby suns (2006) Memphis Industries
10. Surf City played Free the city from Surf city EP (2009) Morr Music
10. Jenny Wilson sang Like a fading rainbow from Hardships! (2009) Rabid Records

Tropeço num recomeço

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Pop Dealer de 17 de Fevereiro de 2009

Sindri Mar Sigfusson
é um nome estranho de se pronunciar. Fundador do projecto islandês Seabear, distancia-se cada vez mais da sua matriz eminentemente acústica, explorando o vasto território da electrónica e a capacidade de integrar nas suas composições elementos pré-gravados no seu laptop ou pequenos samples avulsamente recolhidos. As faixas surgem-nos marcadas por um imediatismo convulsivo, uma ansiedade descoordenada e um irresistível e pueril encanto, como se Sindri tivesse nas suas mãos um Game Boy que obstinadamente tentava dominar. Aliás, o que escutamos nos primeiros segundos de Clangour, é a sua ansiedade em pontuar Advent in Ives Garden com todos os elementos electrónicos a que pôde recorrer, o que resulta em algo muito semelhante ao que encontramos nos álbuns de Shogu Tokumaru: a urgência de se transformar certas composições numa autêntica corrida. No entanto, Sindri não corre contra o tempo; Sin Fang Bous é um projecto que se completou em sua casa, tendo de imediato existido o interesse da sua editora, a Morr Music, de distribuir este primeiro longa-duração. Esta marca doméstica de todo o processo libertou ainda mais Sindri na sua exploração e consequente demarcação daquilo que tinha sido editado pelos Seabear anteriormente, um projecto que envolve sete músicos, e que é por vezes comparado aos Belle & Sebastian. Sem se tornar inacessível na sua constante e acelerada decomposição, Clangour cristaliza no seu registo DIY um álbum um pouco mais interessante do que aquilo que tinha sido aprsentado pelos Seabear até ao momento.

podcast

01. The Ruby Suns played There are birds from Sea lion (2008) Sub Pop
02. Sin Fang Bous sang
Carry me up to smell pine from Clangour (2008) Morr Music
03. Midori Hirano played Caracole from Klo yuri (2008) Noble Records
04. Psapp played Part like waves from The camel's back (2008) Domino Records

05. Magic Arm played Daft punk is playing at my house from Bootcy bootcy EP (2009) Switchmaker
06. Magic Arm played Said things from Bootsy bootsy EP (2009)
Switchmaker

07. Stereolab played Tomorrow's already here from Emperor tomato ketchup (1996) Elektra / Wea
08. Vetiver played Sister from Tight knit (2009) Sub Pop
09. Blur played Gene by gene from
Think tank (2003) Parlophone
10. Pavement played Harness your hopes from Brighten the corners: Creedence sceners (2009) Domino Records

O contrário de um hara kiri

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Tokumaru

Pop Dealer de 08 de Janeiro de 2009

Exit é para muitos uma porta de entrada. Ainda que o seu primeiro trabalho, intitulado Night piece, date de 2004, Shugo Tokumaru permanece enredado no anonimato, refém das suas vocalizações em japonês e de uma certa estranheza ou aversão pela chamada J-pop. No entanto, derivar todo o seu percurso apenas de uma etiqueta seria erróneo e injusto, pois se existe algo que o define são os contornos erráticos e a nervosa inquietude que serpenteia pelas suas composições. Em Exit os primeiros segundos correm apressados num doce disparo intitulado Parachute (ou Prachute se quisermos ser fiéis ao refrão) no qual a electrónica se precipita sobre uma melodia contagiante. Ao longo de todo o álbum é difícil definir quais os momentos em que uma pop composta e detalhada emerge em desfavor de uma folk depurada num registo de DIY, assim como pode ser ingrata a tarefa de classificar o pendor mais ou menos electrónico de certas faixas. O facto é que Tokumaru pretende e consegue, em faixas de não mais de três minutos, combinar todos aqueles elementos, como em Button ou Clocca, daí resultando por vezes uma marca quase que laboratorial. Se algumas destas composições apresentam traços esquivos e desajeitados, presas por fios que artificialmente se entrelaçam, já Sanganishi deve o seu embalo a um qualquer autor de indie folk do Midwest norte americano, tal a autenticidade que apenas é abalada pelo idioma em que é interpretada. E nem a pequena peça instrumental presente em Exit deixa de resgatar um sorriso quando julgamos escutar uma composição infantil intitulada Future umbrella, pontuada por elementos orientais e pela destreza de Shugo Tokumaru.

podcast

01. The Ruby Suns played Sleep in the garden from Daytrotter (2008) Daytrotter.com
02. Psapp played
Part like waves from The camel's back (2008) Domino Records


03. Shugo Tokumaru sang Button from Exit (2008) Almost Gold

04. Shugo Tokumaru sang Sanganishi from Exit (2008) Almost Gold

05. Ivan Colón sang Song for the waiting from Despite the Atlantic EP (2008) Milan Records
06. Butcher The Bar sang Opening night from Sleep at your own speed (2008) Morr Music
07. Will Cookson sang Stormy old weather from Songs for a Sunday (2008) Tinpot Records
07. Will Cookson sang Autumn song from Songs for a Sunday (2008) Tinpot Records
08. Bobby & Blumm played Leave a taste from Everybody loves... (2008) Morr Music
10. St. Vincent sang Land mines from
Marry me (2007) Beggars Banquet
11. Au Revoir Simone played Stars from Daytrotter (2008) Daytrotter.com